segunda-feira, julho 23, 2007

Em algum lugar

Um pufe amarelo
Uma sala bagunçada
Uma cabeleira castanha
Soltando bolhas de sabão
Num domingo a noite,
numa casa vazia.

Uma banheira cheia
Um vidro embaçado
Um cabelo rente
Neve caindo lá fora
E aqui dentro, saudades
numa casa vazia.

Uma cozinha enorme
Azulejos impecáveis
Cabeça nos braços,
braços na mesa.
Soluços incontroláveis
numa casa vazia.

Instantâneos distantes de
momentos femininos
totalmente disperdiçados
inúteis
e sozinhos...

quarta-feira, julho 18, 2007

Abgrund entlang

Cada vez mais perto
Da beirada do abismo.
Já a vejo em minha frente.

Tiro de mim, primeiro, o amor
já que ele não me servirá mais.
já que ele não nos serve mais.
e ficam no chão nossos erros.

Dou um passo a frente
Cada vez mais perto
Da beirada do abismo.

Depois, me despojo da razão
e o alcool, cigarro e a loucura
invadem minha dor, me alucinam
perdida nas areias secas.

Outro passo a frente
Já vejo, tão perto...
a beirada do abismo.

Agora é a dor que fica
estendida ao relento
Nem dela eu preciso mais.
Já não funciona o seu alento.

Outro passo adiante
Ela vem chegando.
A beirada do abismo.

Busco em mim a resolução
pra isso, deixo a esperança.
Tão tolinha ela... melhor que fique.
Aonde eu vou, não cabem os sonhos.

Sempre em frente, sempre
cada vez mais perto
de que? Abismo.

Saem minhas crenças...
e vou me tornando aos poucos
algo monstro, algo crime
espelho dos meus defeitos.

Cada vez mais perto
de ficar frente a frente
de mim mesma, no abismo...

Quem eu sou? Já não sei
deixei a mim mesma
- ou os restos de quem eu era
pois já não me vejo mais.

Já quase chegando
tão infimamente perto
da beirada do abismo...

Mas na hora de deixar pra trás
as lembranças do passado
que são tudo que tenho,
que ainda guardo com carinho...

Eu reluto.

E, no instante em que reluto,
ouço uma voz de longe
vinda da direção da estrada
e que há muito eu não escutava:


"Não deixa ela cair... não deixa ela cair..."


Os olhos abrem de novo
e me vejo cara a cara
com a beirada do abismo.

Já não posso voltar pra estrada
e o que deixei no caminho
é irrecuperavel. Inestimável.
Não voltarei a ser o que era.

Só eu e o abismo
ele pisca, eu respondo.
não posso ir nem voltar.

Tomo então um novo rumo.
Eu vou, mas não na estrada.
Serei eu de novo, sem saber quem sou.
Mas isso eu nunca soube mesmo.

Seguirei, apreciando a vista
só eu e minhas memórias
lado a lado... com o abismo.


Abgrund entlang = "junto ao abismo, ao lado do abismo" "along abyss"

quinta-feira, julho 05, 2007

Mentirosa

Eu minto pro meu estômago
quando finjo que é leite
o refrigerante de ontem que tomo
as sete horas da manhã
e quando finjo que é arroz
feijão, carne e batata
o pão com mortadela no almoço
e no jantar
e no lanche

Eu minto pros meus olhos
quando finjo que não é o grau
dos meus óculos que precisa aumentar.
É o letreiro do ônibus que
de repente está
escrito em fonte menor.

Eu minto pros meus pés
quando finjo serem confortáveis
os sapatinhos sociais obrigatórios
que - eu digo - não machucam
não fazem bolhas
e são o meu número.

Eu minto pro meu cabelo
quando digo à ele que não é
por causa da moda que ele
é constantemente alisado
colorido
maltratado.
Mas é que liso é tão
mais fácil de cuidar!

Eu minto pro sistema imunológico
e tento convencê-lo
de que não estou ficando doente
de que o banho frio
causado pela falta de gás
não é tão ruim assim
e deve até
fazer bem pra pele.

Eu minto pra todos esses.
E não sei se eles acreditam.

Eu minto também pro meu coração
quando lhe obrigo a aceitar outro
quando lhe digo que não há mais nada
quando finjo que não vejo dentro dele
e quando repito, dia e noite
ao acordar,
ao ir dormir,
que está tudo bem.

Mas este...
Este eu tenho certeza que não acredita.

domingo, julho 01, 2007

Imensidões II

Vai, me diz quem você é?
Gosto de cereja e café.
E do que mais que tu gosta?
Vou ganhar a nossa aposta.
Ah é? Você vai ver.
Me conta da tua casa...
Por que imaginação tem asa?
Vista bonita assim não tem.
Vamos para a praia?
Vamos almoçar?
Tem uma peça legal
lá no Municipal.
Sai do trabalho e vem!
Quero te ver também.
Vamos ficar falando besteira
e vendo a vida passar.
Hoje, minha imensidão é mar.